O que eu aprendi (ou não).

Há um ano, nascia neste canto da internet o Slow Living Portugal.
Entre inseguranças e medo de me expor ao ridículo, de falar em “público” sobre a minha perspetiva do conceito Slow e de como iniciava este (quase) diário, talvez “mensário”, onde relatava a minha experiência e reflexões.
Como em quase tudo na minha vida, os projetos nascem de um fervor, uma paixão profunda sobre qualquer coisa e que lentamente se tornam numa relação de dois idosos “amorados”. Não apaixonados, mas envolvidos naquele amor lento e tranquilo que só vem, com sorte, uma ou duas vezes a cada geração (infelizmente).
E o que eu achava que seria o início de um percurso teenager nas redes sociais, tornou-se uma aventura de uma crise de meia-idade sem saber muito o que e quando o fazer.
E, antes de mais, obrigada a ti que estás na nobríssima qualidade de leitor. Obrigada pela confiança depositada nas minhas reflexões e, uma ou outra, confesso, orientação pretensiosa no percurso de uma vida mais Slow.
Eis a minha reflexão de final de ano sobre Slow Living.
O que eu pensava que seria Slow Living?
Cottagecore, canecas de chá, vestidos florais, fotos em tons nude, sacos de pano, legumes a granel, meditação, caminhadas na floresta…
Eu realmente pensei que me iria transformar na “girl next door” que vivia na ilha da fantasia e que iria trazer a mim própria e à minha família, uma vida de reciclagem e muitos raios de sol.
Como é óbvio, o que aconteceu? A vida… A vidinha normal.
Continuo a morar no meu t2+1 de subúrbio, com um único caixote de lixo, uma casa desarrumada, kms e kms de gasolina 95 percorridos no caos urbano, com irritações e frustrações normais e expectáveis de uma mãe de uma miúda de 2 anos, que trabalha das 9h às 18h num escritório.
Mais do que esta mudança de vida, eu esperava mesmo levar uma vida mais consciente no que a expectativas e emoções internas diz respeito. Esperava tornar-me numa pessoa mais transparente consigo própria e mais honesta nos seus quereres e ideais.
E sabes que mais? Isso aconteceu.
O que eu percebi sobre Slow Living?

Aprendi mais sobre mim do que sobre ser slow. Nada disto foi planeado porque eu realmente até tinha intenções de fazer reciclagem e beber mais canecas de chá.
Sinceramente, pensei que me iria tornar mais tranquila e zen, mas quando muito aprendi que sou uma pessoa que se irrita quando quer e ventila quando precisa. Quando muito, aceitei essa e outras realidades de mim mesma.
E se esta reflexão fosse sobre qualquer tema meio esotérico (sem alvos de suscetibilidades), com abordagens ao nosso interior e autodesenvolvimento, eu até que teria algo para te adicionar. Mas como só me atrevo a falar sobre slow living, e nem sempre em conformidade com o que outros bloggers falam sobre o tema, eu vou tentar fazer a ligação.
Porque realmente neste ano comprometi-me comigo própria em tornar a minha vida mais slow mas, descobri muito mais sobre a minha capacidade para querer me tornar slow do que sobre ser efetivamente slow.
E creio que o objetivo tenha sido cumprido. E sabes porquê? Porque acredito profundamente que levar uma vida tranquila, significativa e consciente é um ato contínuo ao invés de uma mudança. São as micromudanças no nosso quotidiano que nos tornam mais conscientes, são os micromomentos da vida que a tornam significativa e as nossas microvisões sobre o mundo que nos tranquilizam. É a autodeterminação de nós próprios (uau, este recurso estilístico vai além da redundância) que nos permite definir o que é uma vida slow, tranquila, significativa e consciente.
“Sara, nós queremos é saber efetivamente se mudaste alguma coisa na tua vida para a tornar slow, durante este ano.”
“Afinal de contas, compras mais a granel?”
“Começaste a fazer yoga?”
“Não devias ter te livrado do carro?”
“Qual os produtos naturais que usas?”
Ok, evidências da minha jornada Slow Living…
Eu até tenho evidências. Aliás, já escrevi sobre isso num outro texto. Talvez do ano passado…. Aqui está o link!
Mas estas são as MINHAS evidências. Minhas, que me mudaram em alguma coisa. Não são tuas. Talvez não se encaixam na tua vida. Ou até mesmo na tua opinião.
Mas houveram de facto mudanças tangíveis:
– Redução SUBSTANCIAL no meu consumo e do consumo novo – muita coisa em segunda mão, a vinted desta vida e a pergunta de bolso “Preciso mesmo de comprar isto?”
– Consciência para o consumo de materiais e substâncias tóxicos – produtos de higiene para low tox (champo, amaciador, coloração, corpo, desmaquilhante), assim como, em limpeza da casa (a descoberta do século do potencial do vinagre de limpeza, bicarbonato de sódio, pastilhas de máquina de loiça sem fragância e agente de secagem)
– Disse adeus a uma empresa tóxica e tomei o meu tempo para me dedicar a outro projeto com presença e saúde mental (não tomei assim tanto tempo, ao fim de 3 semanas estava novamente a trabalhar)
– Ergui definitivamente as barreiras entre a minha vida pessoal e a minha vida profissional, percebendo onde começa uma e acaba outra. As minhas prioridades estão muito bem definidas e são inegociáveis.
– Ganhei mais consciência para os problemas da sociedade e como nós, individualmente podemos ser membros ativos no desenvolvimento da mesma
– Houveram algumas mudanças na minha vida social, nomeadamente, na presença de duas pessoas que me são próximas e, em meio jeito de aceitação, cresci com essa mudança e desenvolvi um certo critério de seleção o que toca a ter certas pessoas ou “situações” na minha vida. Tudo em paz, tudo em consciência.
O que ficou para trás nos meus objetivos Slow?

Ora, tanta coisa, pois claro está!
Atenção! Considero que os itens abaixo enumerados não foram fracassos e que ficaram lá atrás na linha da história e que jamais verão a luz do dia em mim. Nada disso!
O que eu tinha planeado fazer e não o fiz, é para ser feito porque quis que fosse feito. “Simplesmente” foram áreas que não conseguir amarrar a disponibilidade (seja ela qual for) para as pôr em prática. E como diz a Gabby da Casa de Bonecas, não consegui AINDA! A ver:
Sustentabilidade:
Não consegui reduzir o meu desperdício alimentar – o meu calcanhar de Aquiles
Não consegui recuperar a divisão do lixo (porque já pratiquei isto antes na minha vida e perdi o hábito)
Não consegui reinventar-me para reduzir o uso de carro
Desacelerar:
Nunca irei conseguir eliminar os fatores de stress da minha vida (e ninguém o conseguirá fazer nunca) (i.e. ninguém que não tenha uma vida dedicada à espiritualidade e oração) MAS gostaria de ter tido melhores resultados
Continuo com imensa dificuldade em recuperar a minha noção de tempo e gestão do mesmo, de forma a chegar a horas ao emprego e organizar as minhas atividades
Simplificar:
Não consegui destralhar a minha casa
Não consegui gerir uma agenda social – continuei muito afastada dos meus hábitos “antigos” (como quem diz, antes de ser mãe)
Autocuidado: (ui, este tópico é sensível!)
Iniciei um programa com a minha nutricionista, em Agosto, mas não consegui manter o regime e as metas programadas
Descurei muito a minha alimentação e com a desorganização acima mencionada, tornou-se muito fácil de cair nos erros do delivery e comida de pastelaria
A par deste programa alimentar, o falhanço estendeu-se à prática de exercício físico.
Blog Slow Living:
Não cumpri com os objetivos que tinha em mente quando comecei as escrever as minhas reflexões
Gostaria de ter tido mais e melhores resultados sobre o investimento que fiz no meu website
No entanto, sinto-me descomplexada com a frequência de publicações e textos porque isto é um catalisador do que me vai na mente. Nesse sentido, não irei colocar pressão em mim mesma por algo que serve o exato propósito oposto.
Então, tenho uma vida Slow?
Não, estou na jornada.
Se pensarmos no termo Vida Devagar (Slow Living), a palavra Devagar implica movimento. Implica uma não inércia, ainda que seja devagar.
Talvez nunca tenha uma vida Slow, pois talvez vá caminhando nessa direção.
Se calhar nunca irei ser slow, pois se calhar o vou sendo.
O caminho começou a ser calcado. Passo a passo, lentamente. Como é suposto.
Porque Mais não se encaixa muito bem neste conceito
Gostaria de ter tido mais energia, mais velocidade, mais resultados, mas o MAIS, MAIS, MAIS, é exatamente o que quis contrariar quando comecei a minha jornada Slow Living.
Quis e quero menos. Menos stress, menos compra, menos desgaste e gasto, menos estímulo, menos distração…menos.
E por vezes isso significou menos posts, menos textos, menos disponibilidade para os outros, menos horas extras (ou nenhuma), menos complicações e, acima de tudo, menos pressão e exigências em mim própria.
Neste momento, mais depressa “evangelizo” uma vida autêntica do que uma vida apelidada de slow ou seguida daqueles três adjetivos que uso muitas vezes.
Chego à etapa do ano do Slow Living Portugal e renovo os meus votos. “Mais que viver devagar, quero viver com vagar”.
Obrigada a ti que estás a ler, que mais uma vez confiaste-me o teu tempo para ler as extensas deambulações que faço nestes fins de domingos (nem todos).
E como não podia deixar de assinar desta forma:
Obrigada por estares desse lado!
Sara – Slow Living Portugal