Slow Living no Trabalho
O período de férias do verão de 2024 termina e os ritmos ditos normais regressam. Mais um ano letivo que inicia, os mercados despertam e as empresas (na sua generalidade) restituem o seu fluxo de trabalho anterior a este trimestre mais lento.
O tema do trabalho toca-me pessoalmente e tem muito peso na minha vida. E não é assim porque sou workaholic. Antes, sou uma fervorosa defensora do meu tempo pessoal. Sou uma felizarda por trabalhar em algo que gosto e que me desafia diariamente. No entanto, fui crescendo profissionalmente e tornando-me um pilar de pedra maciça relativamente às minhas expectativas e fronteiras no local de trabalho.
Se és leitor assíduo do Slow Living Portugal, já deves ter lido uma ou outra vez a expressão “Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque.”.
Se há crenças sagradas na minha vida, esta é uma delas. A minha perspetiva do trabalho é que este é uma “instituição” de respeito. Sendo esse respeito uma via de 2 sentidos: o que damos e o que recebemos. É uma instituição a que devemos e que nos deve da mesma forma, seriedade e prontidão. E, como tal, há práticas e condutas que deverão definir bem onde termina o trabalho e inicia a vida pessoal e vice-versa.
Slow Living no Trabalho: Uma Abordagem Consciente para o Equilíbrio e Produtividade
Nesta rentrée, gostaria de partilhar algumas reflexões sobre um saudável equilíbrio vida-trabalho. Numa era em que palavras como stress e burnout são utilizadas na gíria do dia-a-dia, este assunto está particularmente relacionado com esta filosofia de vida (Slow Living).
No ambiente de trabalho moderno, a busca por produtividade e eficiência muitas vezes resulta em longas (e extras) horas de expediente, multitasking incessante e uma cultura de pressa que, inevitavelmente, leva a um desgaste profundo de uma equipa. Lembrando que este desgaste não se circunscreve ao local de trabalho – ele acompanha-nos no caminho para casa.
Mas, e se houvesse uma forma de equilibrar as exigências profissionais com uma vida mais tranquila e significativa? Como podemos nós, apaixonados ou prisioneiros das nossas realidades laborais, aplicar métodos que nos incentivam à desaceleração e, simultaneamente, a práticas de trabalho consciente?
Neste artigo, vamos refletir sobre diversas abordagens e práticas para integrar o slow living no teu quotidiano profissional, ajudando a reduzir o stress, aumentar a produtividade e alcançar um equilíbrio mais saudável entre vida pessoal e trabalho.
Viver mais = trabalhar menos?
Mas então o Slow Work é sinónimo de trabalhar menos ou mais devagar?
Não, de todo!
Slow Work é um dos tentáculos do Slow Living que se opõe à cultura da velocidade e às engrenagens que não fazem o carro andar.
Apesar de ser firme na separação da vida profissional e vida pessoal, reconheço a realidade de sermos uma só pessoa que faz uma gestão diária de atividades diferentes.
Ao vivermos uma vida mais consciente e priorizada em casa, podemos espelhar esses valores no nosso quotidiano do trabalho. Se escolhermos viver de forma mais consciente, não estamos a retirar foco do nosso trabalho. Estamos a nos potenciar enquanto pessoas e, por consequência, enquanto profissionais.
Como Praticar Slow Living no Trabalho
Abro esta secção informando que não irei usar chavões e estratégias de otimização e eficiência. Quase todos já ouvimos falar em técnicas como Princípio de Pareto, Matriz de Eisenhower, Deepwork, etc. Há profissionais que fazem muito trabalho em consultoria que podem ajudar empresas e profissionais a implementar este tipo de técnicas. Eu não sou essa pessoa.
Trabalhar em modo slow NÃO É IGUAL a trabalhar devagar ou em estado zen. Não é só adotar técnicas de relaxamento durante as horas de expediente.
É estar presente e consciente. É trabalhar de forma ativa e proativa, é estar atento aos sinais de atrito e aberto à resolução, é estar ciente das suas próprias limitações e, simultaneamente, do que nos torna capazes. É ser sensível para se importar e impermeável para se proteger.
É um equilíbrio. Tudo é um equilíbrio.
Quais são os príncipios do Slow Work?
Foco na qualidade: Abandono de preconceitos que visam a velocidade acima da qualidade, reduzindo a pressão excessiva.
Cultura de reflexão: Promoção de um pensamento estratégico baseado na análise, consideração e previsão em oposto à decisão impulsiva.
Valorização do tempo: Pensar em formas de gerir o tempo de forma mais saudável e evitar a cultura do “sempre ocupado”.
Bem-estar da equipa: Expectativas saudáveis da capacidade em tempo e recurso de um funcionário evitando desde exigências irrealistas a esgotamento (burnout).
Flexibilidade e autonomia: Considerar necessidades pessoais da equipa (p.ex. visitas médicas, acompanhamento familiar) como parte integrante da rotina da empresa ao invés de serem vistas como falhas de competência ou mesmo de caráter.
Sustentabilidade: Práticas de trabalho slow que acabam por promover mais consciência e ponderação também no uso de recursos materiais, diminuindo o desperdício gerado muitas vezes por erro.
Reduzir o stress e Aumentar a Produtividade
Sinto que não precisava de desenvolver esta secção mas talvez alguém ainda precise de entender esta matemática.
Mais stress ≠ Mais produtividade
Arrisco-me a parafrasear a velha expressão: Depressa e bem, não conheço ninguém.
“Eu trabalho muito bem sob pressão, tomo melhores decisões”.
Talvez conheças alguém que já proferiu estas palavras. Talvez sejas essa mesma pessoa. Há que entender que esse modus operandi resulta em lei de exceção. O que permite melhores decisões é a informação. (daí a expressão decisões informadas). A decisão com base num cocktail de adrenalina e cortisol pode ser bem sucedida devida a uma concentração fisiológica de mecanismos que permitem um género de hiper-foco no problema em mãos. No entanto, falamos de uma estratégia que utilizada como regra, acarreta muitos riscos: para o trabalhador e para a empresa.
O lado negro do trabalho sob pressão:
Tomada de decisões impulsivas
Redução da capacidade de análise crítica
Risco de ignorar nuances e/ou detalhes importantes
Maior risco de erros/julgamentos imprecisos
Pensamento a curto prazo
Recurso do cérebro a elementos familiares ao invés de criativos e inovadores
Maior chances de arrependimento
O lado negro da pressão no trabalhador:
Aumento do stress e da ansiedade: Estar constantemente sob adrenalina e cortisol, pode afetar negativamente a saúde mental e física. Decisões tomadas sob esses estados emocionais tendem a ser menos racionais e mais reativas, o que pode comprometer a qualidade das escolhas.
Esgotamento mental e físico: Tomar decisões constantemente sob pressão pode levar ao esgotamento mental e físico. O cérebro, assim como o corpo, tem uma capacidade limitada de operar em alta intensidade por longos períodos.
Adotar uma atitude Slow no trabalho
Mais uma vez, tudo é um equilíbrio.
“Olha que bem, agora trabalho ao ralenti porque sou muito slow…”.
Não. Não, não, não.
Sabemos que há pessoas que…bem, por elas faziam pouco ou quase nenhum. Há sempre essa personagem. Infelizmente pode ser a pessoa que está em cargo de gestão, “delegando” o trabalho de mula para o mexilhão.
Eu sou uma defensora implacável da justiça (se é que saberei alguma coisa desta) e, como tal, a firmeza de valores é essencial quando queremos adotar uma postura (positiva) que vá contra o “sistema”.
Nos dias que correm, ser slow é profundamente antagónico ao estilo de vida da sociedade. E em confissão, não estou totalmente certa que seja o antídoto. Mas entre o processo e o resultado, temos muita margem para adaptar, reinventar, reconsiderar.
Não obstante, considero os itens abaixo muito pertinentes no processo de nos tornarmos profissionais mais conscientes e equilibrados:
Expectativas (salário, evolução, condições, etc): esta gestão é extremamente difícil. As expectativas perante uma empresa vão mudando muito ao longo do tempo em que lá estamos. Nesse sentido, é muito importante nutrirmos expectativas saudáveis sobre o que empresa nos oferece, pode oferecer e nós próprios em retorno.
Abertura e sinceridade: mantém um canal aberto de comunicação com a equipa sobre os teus nãos/limites
Avaliação: Identifica como atualmente abordas as tuas tarefas. Sentes-te constantemente apressado, sobrecarregado ou incapaz de te concentrares numa tarefa de cada vez? Como chegas a casa? Como foram os últimos 3 meses de trabalho? O que pretendes mudar nos 3 meses seguintes?
Prioridades: Considera quais são as tuas prioridades e o lugar que o trabalho ocupa na tua vida. Onde é que se encaixa o trabalho na tua vida?
Fronteiras: o emprego não é uma segunda casa. Devemos criar um fosso emocional entre o que é o nosso trabalho e a nossa vida pessoal.
Relações: Percebe que relações queres criar ou não, nutrir ou eliminar. Os nossos colegas de trabalho não são nossos amigos. Ainda que haja espaço para relações fora do contexto profissional, esta é mais uma fronteira muito importante.
Conhecimento legal: conhecer os teus direitos e deveres dentro do código de Trabalho permite-te trabalhar de forma mais segura, informada e confiante, diminuindo as chances de seres alvo de injustiças.
Conhecimento técnico: se sentes alguma insegurança nas tuas capacidades, procura evoluir nesse sentido. Existem imensas ofertas educativas GRATUITAS que podem tornar-te mais confiante nas tuas habilidades, promovendo não só capacidades de negociação com a entidade patronal assim como mais oportunidades de melhores condições noutros empregadores.
Dizer NÃO
Esta é a ferramenta mais útil e de maior impacto dentro de uma cultura da pressa no ambiente profissional. Por sua vez, é a mais difícil de dominar. Para o que pode ser muito natural para algumas pessoas, para outras é o quebrar com toda a sua personalidade.
Dizer NÃO não é difícil e é (demasiado) necessário.
Como é óbvio, um redondo e literal “não” é visto como uma ferramenta bloqueadora de comunicação. Ninguém, em contexto profissional, espera ouvir um não, muito menos isolado. Um não pode ser dito de variadíssimas formas e deverá ter em vista uma clara mensagem para o par.
O não não tem que ser difícil de ser dito. Aliás, não é:
Agendas de trabalho surreais – “NÃO consigo sobrepor mais tarefas às que tenho em mãos. Se a direção mudou as prioridades de agenda, por favor, façam-me chegar por e-mail para me organizar.”
Tarefas menores/jeitinhos/favores – “Neste momento NÃO me é possível desviar a minha atenção do que estou a fazer. Se as prioridades de agenda….bla bla bla”
Repreensão menos respeitosa/chamadas de atenção insultuosas – “Esse tipo de abordagem comigo NÃO funciona. Quando estiver mais calmo(a), estarei no meu posto de trabalho disponível para falar com respeito.”
Exigência de horas extras ou eventos fora de expediente (os quais não podes participar) – “Hoje NÃO vou poder cumprir com essa carga extra pois NÃO consegui tomar as precauções ao nível pessoal. Se ainda for necessário amanhã já estarei mais bem preparado.” ou se é por regra “As horas extras são, por lei, situações esporádicas e urgentes. NÃO posso estar constantemente a fazer horas extras, pelo que recomendo uma análise à equipa e o necessário reforço.”
Exigência de trabalho acima da categoria/responsabilidade – “NÃO foi este o cargo acordado em contrato. Se confiam em mim para executar esta tarefa, proponho uma revisão à minha categoria e remuneração.”
Interações impróprias (podem ser milhares de situações, desde às mais simples como trato menos profissional, às mais graves que conhecemos bem) – Aqui, é um redondo e isolado NÃO. Medidas de denúncia a serem aplicadas caso necessário.
“Isso é tudo muito bonito mas às vezes temos que engolir sapos.”
NÃO! Não, não, não e não. Se os sapos significam ir contra a lei e contra a tua dignidade, NÃO tens que os engolir.
Os Nãos são bastante simples. Dizer não é um ato de comunicação construtiva e uma autovalorização.
Dizer Não e Medo são dois conceitos que devem estar o mais distantes possível.
Esta é a primeira de 3 reflexões sobre Slow Work.
Até ao próximo domingo irei abordar mais dois panoramas:
Slow Work e condignidade
Metodologias/abordagens simples da implementação do Slow Work
Convido-te a partilhares a tua opinião e/ou experiências sobre o teu percurso profissional.
Slow work não é trabalhar devagar, é trabalhar com vagar.
Obrigada por estares desse lado,
Sara – Slow Living Portugal.