Quando a cidade nos consome e como manter o equilíbrio
Eu sou uma espécie de Gabriela da cidade: nasci na cidade, cresci na cidade e (ainda) vivo na cidade. O que não me define como uma Gabriela na íntegra é o facto de me recusar a viver para sempre nela. O Jorge Amado que me perdoe, mas não é sobre a sua obra que me irei debruçar hoje.
A vida nas grandes cidades oferece um paradigma que se tornou um fascínio de Hollywood pelas oportunidades inesgotáveis para uma vida dinâmica e de sucesso. Mas também cobra um preço elevado. O fenómeno do urban burnout — ou esgotamento urbano — é hoje uma realidade silenciosa que atinge milhões de pessoas. (Talvez já não tão silenciosa.)
Se sentes que o trânsito, o barulho constante, as filas intermináveis e o excesso de estímulos estão a drenar a tua energia vital, então junta-te a mim – vamos formar um clube de campinos urbanos. Vamos explorar o que é o urban burnout, como reconhecê-lo e, acima de tudo, como encontrar a harmonia nesta selva urbanizada.
O que é Urban Burnout?
Urban burnout é um estado de exaustão física, emocional e mental causado pela sobrecarga de estímulos e pressões típicas da vida urbana.
Diferente do burnout laboral, que é diretamente associado ao trabalho, o burnout urbano resulta do próprio ambiente da cidade: trânsito caótico, poluição sonora, excesso de informação, concentração demográfica e falta de espaços de descompressão.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a exposição contínua a fatores urbanos de stress pode ter impacto direto na nossa saúde física e mental. https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/urban-health
Embora o termo urban burnout seja relativamente recente, este já acompanha a história das grandes cidades modernas. Desde a década de 70, psicólogos ambientais e urbanistas alertam para os impactos negativos da vida urbana intensa — como a sobrecarga sensorial, o isolamento social e a degradação do bem-estar mental. Com a evolução da sociedade digital e a aceleração do ritmo urbano, este fenómeno tornou-se ainda mais visível e ganhou novo nome: urban burnout. https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC10578658
Sintomas de Urban Burnout

Os sinais de burnout urbano podem ser subtis, mas são um alerta fundamental para a manutenção da nossa saúde. Pelo que ignorar por completo estes alertas, podemos estar a colocar em causa a nossa saúde mental e física a médio longo prazo. Entre os sintomas mais comuns, encontramos:
Cansaço persistente, mesmo após descanso
Irritabilidade e impaciência em ambientes lotados
Dificuldade de concentração
Ansiedade sem motivo aparente
Desejo constante de “escapar” da cidade
Dores de cabeça frequentes e tensão muscular
Insónia ou sono pouco reparador
Sentimento de desconexão ou alienação
https://www.psychologytoday.com/us/blog/high-octane-women/201311/the-tell-tale-signs-of-burnout-do-you-have-them
Como Recuperar do Urban Burnout?
“Tudo muito bonito, mas eu não tenho como escapar da cidade.” Apesar da intensidade e dimensão do contexto que provoca este estado de esgotamento ou cansaço extremo, é possível recuperar o equilíbrio através de pequenas ações conscientes no nosso estilo de vida:
1. Reduzir a exposição a estímulos
Limita o tempo de exposição a redes sociais e notícias.
Escolhe trajetos mais calmos, estradas menos transitadas, mesmo que sejam ligeiramente mais longos.
Se a confusão e excesso de luzes/sons/aromas das grandes superfícies comerciais (shoppings, supermercados) te incomoda, procura a compra local (mercearias e comércio de rua) – A compra online é, claro, das melhores soluções, mas porque não juntar o útil ao agradável e procurar produtores locais que façam entregas ao domicílio? Eles existem!
2. Cria momentos diários de desaceleração
Reserva 10 a 15 minutos diários só para ti – podemos falar em ler, meditar, ouvir música, rotinas de autocuidado, hobbies, etc. Pessoalmente, dobrar a minha roupa, sozinha, enquanto ouço música e canto, é um momento super relaxante. Qualquer ação individual que te acrescente relaxamento, vale!
Em contexto de urban burnout, convido-te a introduzir estímulos que simulem a natureza: p.ex., no teu contexto profissional, podes integrar estes elementos na decoração (planta, vaso de flores); enquanto trabalhas ao computador podes colocar phones a ouvir áudios de florestas, animais, chuva, mar, etc; tanto quanto possível fazer pausas para apanhar um pouco de ar e luz – se almoças no escritório, faz um favor a ti próprio, e sai.
3. Procura a natureza onde estiver
Visita regularmente parques, jardins, praias ou qualquer outro espaço aberto sem elementos urbanos.
Existem imensas modalidades de imersão em natureza: earthing, shinrin-yoku, ecoterapia, observação de fauna, foraging, etc.. Em Portugal, poderás encontrar muitos grupos locais que praticam de tudo um pouco – inclusive para crianças.
4. Adaptar os convívios sociais
Antes de mais, aprende a dizer “não” a compromissos sociais que não te acrescentam valor.
Se a quantidade de pessoas que vão estar nos espaços de convívio, o barulho incessante, ao trânsito de acesso ou a dificuldade para estacionar, torna de antemão a tua experiência um frete, procura reformular os clássicos encontros sociais para momentos que realmente disfrutes: piqueniques em vez de restaurantes, localidades menos concentradas (evitar as baixas das cidades), horas menos convencionais (porque não um pequeno almoço ou brunch com os amigos?), visitar um museu em grupo, playdates com crianças focados na apanha de flores/plantas.
Privilegiar os convívios em casa de forma a proporcionar um ambiente mais tranquilo, íntimo e estreito – sem telemóveis, sem telas, apenas boa conversa.
5. Considera mudanças estruturais
(Se fizer sentido para ti) Avalia a possibilidade de trabalhar em regime híbrido/remoto ou procurar emprego mais perto da tua residência – os benefícios vão muito mais além da saúde mental.
(Não é para todos) Êxodo urbano: pensa em mudar para zonas urbanas menos congestionadas ou mais próximas da natureza.
Recuperar do urban burnout é, acima de tudo, um processo de reconexão entre ti mesmo e a natureza. A conexão com a natureza não é acessória, é necessária. Ler mais sobre a Conectividade com a Natureza (Nature connectedness).
Urban Burnout: Um Sinal Para Mudar de Vida?
Em tempos em que reconectar com a natureza é um ato isolado, contrariando toda uma codificação bioquímica resultante de milhares de anos de evolução, o burnout urbano é mais do que um sintoma: é um sinal claro de que algo precisa mudar.
Pode ser o empurrão necessário para uma transformação profunda — viver de forma mais consciente, em harmonia com o ritmo natural da vida.
Em vez de lutar contra o burnout urbano, talvez a resposta seja escutá-lo.
O urban burnout é o preço invisível que muitos pagam por viver nas cidades modernas. É uma imersão constante num contexto citadino que nos intoxica a pouco e pouco. Chega a um ponto em que estas micro intoxicações se manifestam numa acumulação de mau estar.
”Sara, não preciso de me mudar para a serra pois não?” Pois está claro que não! Em tudo na vida quer-se equilíbrio. E se a cidade nos irrita e nos frusta, também nos traz uma conveniência que não pode ser ignorada.
Pessoalmente, eu dispenso todos os supermercados e shoppings, restaurantes, bares, lojas, teatros, praias e outras coisas que tal. Mas duas coisas coisas que não dispenso (e não posso dispensar) e que me impedem de fazer um êxodo urbano é o acesso a saúde e ensino. Infelizmente, Portugal não inspira nada a quem se via a viver entre os montes, os rios, as árvores e os bichos.
Mas a desaceleração consciente, o contacto com a natureza e a redefinição das nossas prioridades podem contribuir para atenuar as dores desta vivência metropolitana. Respira fundo. Talvez o primeiro passo para a mudança seja mais simples do que imaginamos.
Obrigada por estares desse lado,
Sara – Slow Living Portugal
Urban Burnout - FAQ
Ainda com dúvidas? Aqui estão algumas respostas rápidas sobre Urban Burnout. (Estas informações não dispensam, em qualquer circunstância, o aconselhamento junto de um profissional de saúde. Este artigo tem o objetivo de sensibilizar para este fenómeno. Procura a ajuda necessária e competente em situação aguda ou caso sintas que precisas de aconselhamento profissional.)
Urban burnout ou burnout urbano é o estado de exaustão física e mental provocado pela sobrecarga de estímulos e exigências típicas da vida nas grandes cidades.
Alguns dos sintomas do burnoout urbano são cansaço extremo, irritabilidade, dificuldades de concentração, ansiedade e o desejo constante de escapar da cidade são alguns dos primeiros sinais.
Embora não exista um teste clínico específico, psicólogos e médicos poderão ajudar-te a identificar o burnout urbano através da análise dos sintomas e do contexto de vida.
Sim. Mudanças de estilo de vida, terapia, gestão de stress e práticas de relaxamento podem ajudar na recuperação.
Prevenir o urban burnout envolve adotar hábitos diários de autocuidado, como práticas saudáveis de alimentação e exercício, promover momentos de desaceleração, procurar espaços naturais e garantir uma rotina de descanso adequada. Existem estilos de vida e práticas profiláticas, como o slow living, que podem ajudar para reduzir a pressão urbana. Essencialmente, deves adotar o que melhor se encaixa em ti e privilegiar o cuidado geral do teu corpo e mente. Essa fórmula, como base, não tem como falhar.