Manhãs escuras e um cobertor a mais.
Os últimos e mais belos meses do ano chegaram. Surge um manifesto rubor na minha face quando penso em tardes de domingo debaixo de uma manta a ver filmes de bruxas e clássicos portugueses a P/B com António Silva.
Há também um certo desejo de americana em meados de século que passa horas enfiada na cozinha a preparar tortas, compotas e bolos num desenfreado furacão de vapores e aromas secos.
Nasce ainda toda uma energia doméstica em mim dedicada aos sabores autóctones e um desejo de grávida de marmelada, romã e castanhas.
Uma bucket list e uma expectativa
E tanto se revitaliza em mim e muito que fica por fazer. Infelizmente, a vontade é mais magra que a preguiça e os desejos de passear entre montanhas de folhas estaladiças ou dedicar 2h a descascar e cozer marmelos, ficam apenas em lista de espera.
Já houve outonos que cumpri metodicamente com uma agenda sazonal. Já houve anos em que os que me são mais próximos arrepiavam-se quando surgia a pergunta quase profético-fatalista: “Vais querer um pote de marmelada?”. (“não, por favor, ainda tenho do ano passado”, pensavam uns, diziam outros).
O escuro de Outono tem outro brilho
Se há coisa que amo é acordar num manto de escuridão. Passo a explicar, em minha defesa:
Sempre que acordo às 07h e vejo que ainda está escuro, imediatamente sinto que o mundo ainda não acordou comigo. Há um pequeno tempo em que sinto que sou a primeira pessoa no mundo que se levantou e isso traz-me muita paz.
Os bichos dormem, o nevoeiro repousa nos pedaços de terra, umas pingas de chuva caem das folhas e tudo está no seu devido lugar e tempo. Um sossego que mais nenhuma estação me oferece.
Por outro lado, vem novembro e com ele a mudança da hora que perturba esta paz e traz mais cedo o fim do dia. Para meu desespero, já enfrento o trânsito com as luzes da rua e dos carros e, quando chego a casa, já é tarde demais para tudo.
Um frio que conforta e um casaco de malha
Tenho um certo afeto por casacos de malha. Por autobloqueio de consumo, tenho apenas um, cuja malha (de poliéster) perdeu a sua fofura à primeira lavagem. E foram tantas as lavagens porque o uso fora e dentro de casa. E uso-o enquanto como massa com molho e cevadas quentes com bolacha maria.
(Cevadas…já lá vamos!)
O frio de outono nem é frio. Pessoalmente, sofro muito com o calor. Não durmo nem penso direito com calor. E se estiveres desse lado a pensar “Como te compreendo…”, compreendes também que a temperatura no outono, fora ou dentro de casa, é exatamente como deveria ser.
E se tens casa virada a sul, como eu, em dias seguidos de sol aberto, dás por ti infelicíssimo(a) por ter que recolher a colcha para os pés da cama quando chegas a casa.
Mas até esse calor é amoroso. Envolve-nos e abraça-nos como uma manhã preguiçosa.
Uma sopa morna e uma cevada quente (cá está!)
Não sei porquê, mas nos últimos anos descobri o poder ancestral dos líquidos quentes.
Tive uma experiência no passado agosto, num maravilhoso casamento de maravilhosos amigos, em que o jantar demorou a ser servido. Naturalmente, depois de tanto reboliço e celebração, e já uma ou duas birras da milha filha no bolso, instalou-se um cansaço rabugento em mim. Ás tantas servem um creme de abóbora com um aspeto elegantíssimo e quando levo a primeira colherada à boca, há um relaxamento instantâneo que se instala em cada músculo do meu corpo. Uma espécie de diazepan em creme laranja.“Ah, não há nada como uma boa sopa para aquecer a alma!” – comentei eu com sopa a escorrer pelos cantos da boca. E toda a gente anuiu na mesa. E toda a gente percebeu.
E, talvez porque tenha crescido, a minha consideração por sopa e cevada cresceu a galope. Não me considero particularmente geriátrica nesta fase da minha vida, mas há um certo encanto num ouro líquido.
Chá? Adoro o conceito mas confesso que só terminei uma duas chávenas inteiras de chá em toda a minha vida. Mas se há momento em que possa dizer em tom de brincadeira, “Pareço uma velhinha…” é quando eu e o meu companheiro nos propomos a beber chá em conjunto. Ah, que casal de idosos tão querido…! Dois velhos jovens sentados às 21
Um outono slow e um artigo em modo de diário
Não há nada de pedagógico em olharmos para uma estação dourada como esta e esperar um título como “Como aproveitar o outono” ou “10 dicas para teres um outono Slow”.
Não, estimado(a). Até concordo que este seja um post mais individualista (“Eu quero lá saber a tua perspetiva do outono e das tuas sopas e casacos de malha”). Mas a pedagogia da natureza reside na perceção de cada um de nós. No que conseguimos olhar e no que pudemos ver.
Esta, considero, é a receita para uma vida slow e, neste caso, uma experiência significativa de um estágio sazonal. Porque até há pessoas (de bem e boas almas, nada contra) que não apreciam o outono, ou que, para elas, é um momento de baixa imunidade até emocional.
Portanto, é subjetivo ao indivíduo. E, em boa verdade, que experiência não é?
Obrigada por estares desse lado,
Sara – Slow Living Portugal