A abordagem Slow ao consumo excessivo de conteúdo digital
Eu sou viciada em ecrãs. Custa-me admitir. Mas é a verdade.
E é um vício estúpido. Daqueles que não retiramos prazer algum. Consumo ecrãs porque sim.
Quando dou por ela, já passaram umas dezenas de posts no meu scroll e eu, robótica, a interiorizar 1% dessa montanha de “Sabias que…” “Dicas para seres/teres…”
Deito-me com o telemóvel na mão e assim adormeço à luz azul. Poderia ser à meia luz, era mais lírico. Não…não é. É um hábito horrendo e ainda assim o meu cérebro não o rejeita.
Consumo digital excessivo: existe ou não?
AH! Eis a questão!
Como em tudo na vida…equilíbrio. E como cada um sabe de si e Deus de todos, não cabe a ninguém parametrizar o que é consumo excessivo. Apesar de que, pela Lei do Senso Comum e a Carta Universal dos Dois Dedos de Testa, tudo o que se contabiliza com “podia ter escrito 3 capítulos de um livro em vez de estar a olhar para o telemóvel” é tempo em excesso.
Eu atrevo-me, com a tua licença, se faz favor, por favor, obrigada, a dizer que este tempo não é contabilizado em minutos ou horas mas sim, convertido em atividades alternativas. Vamos a exemplos além dos 3 capítulos:
Durante o tempo que estive no instagram, poderia ter feito 4km de caminhada
Durante o tempo que estive no youtube, poderia ter posto roupa a lavar e dobrar a máquina anterior
Durante o tempo em que estive a responder a comentários inúteis que mexeram comigo de alguma forma, poderia ter esfoliado e hidratado o rosto
Durante o tempo em que estive a fazer 5 quests no MMO Fierce of Destiny Legends (é inventado, sim), poderia ter avançado 2 etapas de um curso online
Não se trata de QUANTO TEMPO mas sim o QUANTO VALE ESSE TEMPO.
Conteúdo digital positivo
Existe sim, como é óbvio. Não vou puxar a brasa à minha sardinha, claramente, mas há muito peixe nesse mar digital que é bom, fresco e nutritivo. O conteúdo certo, legítimo, inspirador, educativo, divertido, etc. tem proporcionado riqueza intelectual (e até emocional) aos utilizadores.
Há malta com muito conhecimento, acreditação académica, capacidade artística e sabe-se lá mais o quê, que sem a internet não teriam dado a oportunidade ao mundo de ouvir a sua voz. Sim, dar a oportunidade ao mundo.
E aqui vou só focar-me na positividade da coisa. Sem ses ou mas. Há 30 anos atrás não tínhamos a possibilidade de ver horas infinitas de música, concertos ou palestras, tudo gratuitamente. Consegues imaginar o quão normal nós tornamos o acesso gratuito à cultura? Ainda que através de um ecrã? Quadros, poemas e até mesmo livros completos, concertos, filmes…
E a malta que nos ensina de TUDO na internet gratuitamente?!
Doom scrolling, binge consuming e pestilências que tal
Vamos lá à parte má.
A par desta magnificência existe uma parte proporcionalmente perjorativa.
A que mais me chateia é mesmo o Doom Scrolling.
Km e km de scroll de notícias e inspiração ao Lado Negro da Força. “A direita fascista”, “a esquerda tolinha”, “o político criminoso”, “o mundo vai acabar em 4 anos”, “as mulheres são coitadinhas”, “os homens cheiram mal”, “o arroz causa cancro nas unhas”…
É tanto negativismo, e muito apenas sustentado por objetivos comerciais. O modelo de negócio de um jornal hoje em dia é vender medo, polémica e opiniões ao invés da verdade. Porque a verdade é aborrecida. Não vende. E, desculpa-me o desabafo meio político, mas toda a classe dos media está para lá de vergonhosa. Mas não são os únicos. E malta que dá informação baseado no “Se não me seguires nunca vais saber que…” ou “Não consegues alcançar os teus objetivos porque ainda não me segues”…. ? ARGH!!!!
Já não há estado de espírito para isto. E na realidade não temos nem espírito nem nos podemos dar ao luxo de perder tempo com conteúdo que, além de nos sequestrar a atenção para coisas mais construtivas para a nossa vida, nos faz desenvolver ansiedade por coisas que, na maioria, não nos diz mesmo respeito. E não temos qualquer tipo de capacidade de influir.
Consumo digital e saúde mental
Não vou apresentar gráficos e números sobre o impacto do consumo de ecrãs na nossa saúde mental. Acho que estamos todos no mesmo barco de opinião certo? Já todos os especialistas pesquisaram e chegaram à conclusão de que é mau, correto? Já existem demasiados estudos sobre isto, não?
Podemos avançar para a reflexão?
Se tivéssemos a capacidade para contabilizar o número de títulos pessimistas, alarmistas e mediáticos por 15MIN de consumo, acho que ficaríamos bastante esclarecidos no que a efeitos secundários, como ansiedade, diz respeito.
Vamos fazer um jogo tipo “Uma nêspera no cu”: O que preferias? Uma semana inteira sem qualquer tipo de contacto com o mundo digital ou dos medias, sem telemóvel/computador/televisão, OU ter constantemente uma pessoa atrás de ti que estaria apenas a dizer, no tom e intensidade proporcionais, os títulos que os jornais libertam? TODOS os títulos, incluídos os da CMTV.
Eu sei bem o que responderia, sem piscar um olho.
E, trazendo a afirmação com que abri este artigo: vício de ter a atenção em alguma coisa. Estarmos com a nossa atenção CONSTANTEMENTE agarrada a alguma coisa e a estimulação audiovisual sem intervalos só para que não termos que ouvir as vozes da nossa cabeça. Eu já sinto, faz algum tempo, os efeitos nocivos desta hiperestimulação.
Sem falar ainda no estado de alerta que as notificações nos induzem. O estarmos sempre a ser alertados para “X pessoa comentou a tua foto”, “Notícia de última hora”, 1001 e-mails que acabam por ser na sua maioria spam ou publicidade.
Só de mencionar estes pontos já estou cansada e em stress.
Mudar o paradigma do consumo digital, é possível?
Eu acredito que sim. Eu quero acreditar que sim.
Acredito que é sobretudo, como em qualquer tipo de consumo, uma escolha nossa.
E não se trata de escolhermos se queremos estar informados ou não. “Então deixaste de ver notícias? Não queres saber o que se passa no mundo?” – dirão alguns seres superiores doutorados em “sociedade civil e no que todas as pessoas deveriam fazer na minha opinião”.
Trata-se de não consumirmos informação digital a qualquer custo. Porque na realidade nenhuma fonte de informação está interessada em que tu estejas informado ou detenhas conhecimento. Acho que todos já chegamos a essa conclusão, certo?
Então por que c***** havemos nós de pôr em causa a nossa saúde mental em prol de “eu estou informado, em cima do acontecimento, espero pelo corajoso que se atreva a debater política americana comigo!” (também todos nós conhecemos alguém assim.)
Portanto, se formos a ver, nem é uma questão de mudar o paradigma digital enquanto missão comunitária. É uma postura pessoal sobre o impacto que o mesmo tem no indivíduo.
(Nota: para os tais seres superiores doutorados que se “atreveram” a ler este artigo, isto não é um apelo à Idade da Trevas. Não, não estou a inspirar ninguém à ignorância.)
“Olha a parva da ‘criadora de conteúdos’ a dizer mal do consumo digital!”
Porque as pessoas normais percebem o conceito de EQUILÍBRIO. E confio, que todas as pessoas que me chegam ao blog, já pensam nestas questões há algum tempo e procuram refletir sobre formas de tornar as suas vidas mais conscientes e saudáveis.
EU PRÓPRIA AINDA PROCURO tornar a minha vida mais saudável, mais tranquila e consciente. Porque neste meio digital podre e confuso encontramos pessoas e experiências fantásticas. Eu já encontrei pessoas com opiniões e conteúdos de muito valor. E parte da dificuldade está em ter um mecanismo que só nos proporcione esse mesmo ponto ótimo. A linha ténue entre uma coisa e outra.
E por esse motivo que (e partilho já contigo) estou a repensar a forma como comunico no Slow Living Portugal porque sinto que estou a contribuir para algo que questiono. E essa incerteza e dúvida, sim, fazem-me sentir um pouco hipócrita.
E assim também me declaro aberta a sugestões sobre como seria idealmente o teu consumo. Num mundo perfeito, como chegaria até a ti apenas o conteúdo que queres ver?
Vou terminar o “conteúdo” por aqui.
Uma semana bem slow para ti,
Obrigada por estares desse lado!
Sara – Slow Living Portugal