Qual é o papel da natureza na nossa vida?
“A mim este Sol, estes prados, estas flores contentam-me.”
Alberto Caeiro, Poemas Inconjuntos
Estudos ESTIMARAM, em 1998, que a população passa 90% do seu tempo dentro de 4 paredes, particularmente nos países com uma elevada taxa de urbanização, onde o nível de ligação à natureza é significativamente mais baixo. Por outro lado, estudos CONCLUIRAM que ambientes interiores mal concebidos podem ter efeitos prejudiciais à saúde. Questões como ventilação inadequada, falta de elementos naturais, altos níveis de poluição sonora e outros elementos de superestimulação multimédia, como aparelhos eletrónicos, podem levar a vários problemas de saúde, incluindo problemas respiratórios, distúrbios do sono e níveis elevados de stress.
(When Buildings Don’t Work: The Role of Architecture in Human Health, Gary W. Evans e Janetta Mitchell McCoy)
Nature Connectedness
O conceito de conexão com a natureza não deverá ser vulgarmente utilizado no nosso dia-a-dia com alguma subvalorização. O estar conectado com a natureza é uma necessidade inata nossa enquanto espécie. O termo Conectividade com a Natureza (Nature Connectedness) – vamos lá validar isto com o termo em inglês a ver se realmente as pessoas acreditam – é um indicador legítimo do comportamento humano.
O biólogo Edward O. Wilson sugere, através da sua Hipótese da Biofilia, que os humanos possuem uma tendência inata de buscar conexões com a natureza e outros seres vivos. Antes dele, Aristóteles e o psicanalista Erich Fromm acreditavam que essa conexão está enraizada na nossa história evolutiva, onde a nossa sobrevivência e bem-estar dependem da nossa relação com o mundo natural. A hipótese da Biofilia implica que os humanos tenham uma afinidade inerente pela natureza, impactando positivamente a saúde mental, emocional e física.
Ora, esta mesma ligação pode inclusivamente ser tão profunda ao ponto de afetar o nosso bem-estar psicológico, remetendo, por exemplo, à sensação de coração partido que temos perante desastres ambientais. E até aqui conseguimos analisar de perto este fenómeno, através da ecopsicologia.
Práticas e Disciplinas
Há várias práticas que já estão assimiladas em diferentes sociedades que centralizam esta conectividade com a natureza – earthing (conexão elétrica com a terra), caminhar e deitar sobre musgo (moss hiking e bedding), meditação, banhos de floresta (Shinrin-yoku), entre tantas outras práticas.
Mas será que esta conexão deveria ser praticada casualmente ou de uma forma mais “natural” e inclusiva no nosso dia-a-dia? Confesso, sinto uma vontade magnética de rodear-me de espaços naturais. Observar o verde, cheirar a maresia, caminhar em terreno irregular, deixar-me ensurdecer pelo barulho dos pássaros, absorver a luz que não é quebrada pelas silhuetas da urbe.
Onde mora a Natureza nas cidades?
(https://www.archdaily.com.br/br/778367/edificio-bosco-verticale-boeri-studio).

Outro belíssimo exemplo de integração de práticas ambientais nas cidades é a Agricultura Urbana praticada em Havana, Cuba. Uma cidade que produz atualmente comida suficiente para cada morador receber diariamente cerca de 280gr de frutas e legumes e com uma força de trabalho agrícola urbano de dezenas de milhares pessoas. Desenvolveram quintais urbanos de gestão comunitária e também pública – Organopónicos – com reaproveitamento de terrenos abandonados, telhados e outros pequenos espaços entre edifícios.
De um ponto de vista social, questiono-me muitas vezes porque é que não investimos, em Portugal, em árvores de fruto, ou plantas com aproveitamento alimentar, para pelo menos assegurar sustentavelmente programas de cariz solidário na garantia alimentar dos mais desprotegidos, criando ainda programas de reinserção social ou até mesmo pedagógicos junto dos estabelecimentos educativos locais. Praticar um Paisagismo Agroflorestal vs. Paisagismo Estéril. E ainda que vivamos em prédios, que estes sejam dotados de características arquitetónicas que suportem hortas individuais e até coletivas.
Edifícios e estruturas urbanísticas (estradas, parques, terrenos, etc.) preparados para abarcar espécies naturais vão permitir reduzir os custos de eletricidade ao promover isolamento térmico, mitigar o escoamento de águas pluviais para serem reaproveitadas, melhorar a qualidade do ar e atrair fauna selvagem.

Por outro lado, continuamos a observar abates de árvores de grande porte em extensões de km porque não há um planeamento urbanístico sério e focado em integrar espécies sem comprometer a rede de infraestruturas básicas (canalização, saneamento, eletricidade) e vice-versa, como assisti e denunciei em 2023 junto da Câmara Municipal da Maia.
A Natureza em nós
Necessitamos de nos rodear de Natureza; é imperativo respiramos e sentirmos o verde e os aromas vegetais trazidos pelo vento. Pela nossa saúde, pela saúde dos nossos descendentes e pela saúde do planeta. Ideologias e valores ambientais à parte, o facto é que estamos obcecados em “minimalizar” as paisagens dos nossos lares, quando deveríamos “maximalizar” as ruas e as nossas vidas de ornamentos naturais: corredores e alamedas de estátuas verdes renascentistas que evoquem o nascimento de Terra e uma conexão artística e espiritual com o que há de mais selvagem em nós.
Obrigada por estares desse lado!
Sara, Slow Living Portugal