O tempo de Ontem e Amanhã e a indignação com o Hoje

“ A vida começa aos 30” | “A vida começa aos 40” | “A vida começa quando os miúdos vão para a faculdade.” | “A vida começa quando for para a reforma”
Como todas as outras, a minha vida teve momentos muito difíceis. Há alturas na vida em que desejamos estar em todo o lado, menos naquele. Ninguém deseja viver momentos menos bons. E torna-se tão, mas tão natural e automático desejarmos ser outra pessoa, noutro lugar, em algum dia que não aquele.
O cérebro humano só tem a capacidade de lembrar e não de profetizar. Por esse motivo, deambulamos nos passados bons. E tudo era mais simples quando não tínhamos os problemas.
Ora, não tínhamos “estes” problemas, tínhamos outros.
“Quando era miúdo era tudo muito mais simples.” | “Antes de ser mãe, tinha mais energia.” | “Nunca mais irei ter 20 anos…”
Por outro lado, existe o fenómeno oposto: viajar pelo que será o futuro. Ainda que incerto.
“Só quero ir dormir para chegar ao amanhã” | “Mal vejo a hora do meu filho ter X anos, quero tanto que ele cresça e seja mais independente” | “Se me vejo licenciada, até digo que é mentira”
Temos um espírito tão aventureiro que nos esquecemos de viajar no que realmente estamos a viver: o presente. O agora é um estado universal tão confuso e complicado, e aparentemente aborrecido. Ora desejamos estar no ontem ou alcançar o amanhã.
A nossa vida nunca está no ponto perfeito de resolução; a nossa vida deverá começar apenas em momentos que definimos como os mais apropriados.
Lamentavelmente…
...a vida começa quando nascemos.

A vida começa quando nascemos – “claro, duh!”
Não é claro! Nem sempre é claro!
A vida começa quando nascemos. A vida vai acontecendo a partir daí.
A nossa vida não é vida apenas nos momentos bons, nos momentos de realização, nos momentos de transformação positiva. Por muito que magoe entender, a natureza não é moral e não se rege por mau e bom. Nós, participantes involuntários deste complexo, atribuímos o positivo e o negativo.
Tudo é processual.
Nós temos algo muito bonito e nobre (e, convenhamos, fomos concebidos assim) : temos uma capacidade imensurável de atribuir significado às mais micromanifestação da vida. E, em parte, é essa capacidade de lembrar e prever que nos permitiu evoluir – aprender com o passado para atuar no presente de forma a construir o futuro.
E é este Presente que nos leva. Só. Que apenas nos leva, nos transporta. Discutivelmente, é o estado temporal mais passageiro. Não vemos o presente: lembramos o passado – a única prova do que vivemos no agora. O futuro…? Só à vida pertence.
...a vida acontece no entretanto.

Estamos condicionados ao estar e ser agora. A vida não começa Quando. A vida já começou e vamos vivendo-a.
E é fácil NÃO vivê-la, não é? Caímos tantas vezes nesta falácia de que a vida é sempre melhor noutra altura. E, sim! passamos por situações tão desafiantes, destrutivas e tempestuosas…! Mas (não querendo entrar em clichés morais) é a vida!
Quando fui mãe, vivi um pós-parto terrível. Dentro do desafio que é o cuidado de um recém-nascido, considero que a minha experiência negativa foi desproporcional. (Por diversos motivos. Motivos esses comuns e compreensíveis a um vasto grupo de mães.) Lembro-me de a cada etapa (1 semana, 1 mês, 2 meses, etc…) desejar a etapa seguinte. Noites em claro de lágrimas silenciosas a desejar o fim daquele momento e uma renovação em tempo.
Ora, nem sempre a transformação/renovação é mais positiva. Pode ser o exato oposto.
Mas sim…desejei que a minha filha crescesse depressa. E hoje, olho para ela com 2 anos e desejo que ela pare.
Para, tempo! Para, por favor!
Para, tempo! Avança, tempo!

Pois bem, Cronos existiu um e, com todas as certezas do racional, no nosso imaginário.
Só temos uma capacidade fundamentalmente tangível: a decisão.
E é essa capacidade que necessitamos tanto de exercitar! O fazer AGORA! O viver este momento.
A vida não começa pelo designar “aquele momento” como o ideal.
A vida NÃO começará quando eu:
– Começar a trabalhar
– Comprar casa
– Casar
– Ter filhos
– Criar filhos
– Tiver dinheiro
– Obtiver aquele cargo
– Me mudar para a cidade de sonho
– Acabar a tese
– Acabar de pagar o carro
– Estiver mais magro
A vida acontece ENQUANTO eu:
– Procuro emprego
– Arrendo enquanto não posso comprar casa
– Vivo ou não uma relação
– Construo um lar para os meus futuros filhos
– Assisto ao maravilhoso crescimento dos meus filhos
– Cresço financeiramente e ultrapasso as dificuldades de gerir dinheiro
– Vivo na cidade a que chamo casa agora
– Estudo e evoluo em conhecimento e pessoa
– Viajo kms confortavelmente no meu carro
– Observo, aceito e ganho consciência sobre a minha saúde
A vida está no entretanto, está em tudo que classificamos como bom e mau. São as conquistas e as lições.
A vida está entre o acordar e o acordar. Sim, entre o acordar e o acordar. É contínuo. Mesmo no sono, vivemos. Mesmo nos momentos que consideramos mundanos: o acordar, o vestir, o comer, o caminhar, o trabalhar…
Que esta seja oportunidade ou o lembrete para vivermos a vida em toda a sua plenitude em tempo!
Ainda que no entretanto do dia a dia seja difícil relembrar-nos de viver, esta está a acontecer.
Acontece em bastidor, silenciosa e ininterrupta.
Vive! Simplesmente vive! Vive simplesmente!
Obrigada por estares desse lado,
Sara – Slow Living Portugal